Qualquer coisa que não seja fragmentos, desconstruções ou zap esquisofrénico. Mesmo que seja qualquer coisa muito dejá vue, muito batida e insistida a história d… No fim do desespero e da tristezza que insiste em atravessar Puro Sangue, quero uma história. Quero uma história com principio, meio e fim. Nem que tenha que ir buscar um senhor que não escreva a uma aldeia moçambicana para ma vir cá contar bem contada. Com um final feliz. Pois. Mesmo. Feliz e sem vergonha. É em busca de um final feliz.
Puro Sangue começou por uma urgência de dizer exactamente o que eu quisesse num espectáculo. De procurar uma expressão inteira sem estar a pedir emprestada a alma a um senhor qualquer que escrevia… De assumir a triçãozinha que fazia a esses senhores que escreviam, de que eu gosto tanto, que era o de só gostar deles naquilo de que eu gostava, e o incómodo que isso me dava na espinha. E de perceber, em África, que tudo pode ser muito tão simples, desde que seja simples.
Puro Sangue implica uma coragem nesse esforço de simplicidade, de honestamente ignorar a referência, esse peso inacreditável desta cultura, desta terra tão inculta. Coragem para saber o que se tem a dizer e dizer o que se tem a dizer. Mesmo. Para fazer o que se quer fazer. Pois. Para perguntar as perguntas que não se perguntam, em que é que estás a pensar? Perderr a vergonha. Mesmo, pois. Aquilo que ninguém quer saber de ninguém nem eu de mim e depois tu … tu … Tu estás aqui hoje e só hoje e eu tenho de pensar em qualquer coisa importante, mesmo importante e com sentido mesmo, qualquer coisa que faça mesmo uma espécie de um sentido para te dizer, mas não sou capaz. Neste trabalho surge tudo aos estilhaços e aos arranques, descolado e triste, triste. Mesmo.
Com que felicidade é que nos comovemos? Se já nem somos capazes de contar histórias, contar uma história, uma só,uma boa história e uma história boa. Uma história com principio, meio e fim. Qualquer coisa que não seja fragmentos, desconstruções ou zap esquisofrénico. Mesmo que seja qualquer coisa muito dejá vue, muito batida e insistida a história d… No fim do desespero e da tristezza que insiste em atravessar Puro Sangue, quero uma história. Quero uma história com principio, meio e fim. Nem que tenha que ir buscar um senhor que não escreva a uma aldeia moçambicana para ma vir cá contar bem contada. Com um final feliz. Pois. Mesmo. Feliz e sem vergonha.
Lúcia Sigalho
Perante a incapacidade de produzir no CITEMOR 95 “Puro Sangue — mulheres” como estava em projecto, desafiámos a criadora a apresentar o trabalho levantado, num solo apresentado em regime de work in progress. Um acontecimento quase informal viria a tornar-se referência da temporada.
Em 1996 a criadora estabeleceu residência artística em Montemor, onde desenvolveu com Francisco Camacho e Ronald Burcheri “O Sorriso da Gioconda” e “Leonardo”. A actividade deste ano valeu a Lúcia Sigalho o Prémio Acarte — Madalena Azeredo Perdigão, pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Dois anos depois, a banheira ainda estava no mesmo sÍtio.
É a acompanhar o percurso singular
desta criadora que convidamos, no reencontro com o espaço da Igreja de Santo António.
Festival de Teatro de Montemor-o-Velho
Concepção e direcção Lúcia Sigalho
Interpretação Lúcia Sigalho, Maria Duarte e Olga Mesa
Música original Marco Franco e João Lucas
Figurinos Filipe Faísca e João Figueira Nogueira
Luzes Cristina Piedade
Assistência de encenação João Garcia Miguel e João Figueira Nogueira