Citemor 1998



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antónio macedo e manuela moura

o outro teatro ou as coisas pertencem a quem as torna melhores

filme 

Sab 1 Ago | 22:30 | Castelo

O OUTRO TEATRO OU AS COISAS PERTENCEM A QUEM AS TORNA MELHORES / 1977

Realizado por António Macedo e Manuela Moura, O Outro Teatro ou as Coisas Pertencem a Quem as Torna Melhores foi produzido pela Cinequanon, cooperativa criada por um conjunto de trabalhadores de cinema pouco antes do 25 de Abril de 1974 (mas só legalizada em Junho do mesmo ano), no âmbito da qual o António de Macedo desenvolverá vários documentários de carácter mais interventivo, na sua maioria destinados à televisão. Muitas dessas produções faziam parte de uma série denominada “Acção e Intervenção”, cujo título é bem elucidativo sobre o propósito mais militante destes filmes. Se a relação de Macedo com a Cinequanon se inicia com a participação na sua génese, acompanhando a vocação da cooperativa, que evolui em poucos meses de uma vontade inicial de produção de obras de ficção, para a realização de “filmes de intervenção política e social para televisão, o que lhes pareceu uma prática de actuação mais correcta tendo em conta as necessidades urgentes, no campo da comunicação de massas, do momento nacional” (da brochura editada no 4º aniversário da Cinequanon), é ainda com a Cinequanon, que sofrerá novas mudanças ao longo dos anos, que António Macedo realizará a totalidade dos seus filmes seguintes entre os quais as longas-metragens de ficção Os Abismos da Meia-Noite, Os Emissários de Khâlom ou Chá Forte com Limão.

O Outro Teatro ou as Coisas Pertencem a Quem as Torna Melhores foi assim realizado por António Macedo em parceria com Manuela Moura, que com ele montará este e muitos outros filmes, e centra-se sobre a realidade do teatro independente português que surge em força em meados da década de 70, propondo um olhar sobre a actividade das companhias que procuravam revolucionar o panorama do teatro nacional ao apresentarem novos autores, novos textos, renovadas estruturas e diferentes métodos de trabalho. Companhias que, se antes do 25 de Abril, eram obrigadas a contornar a censura e a lutar contra as pressões das entidades oficiais, no período pós-revolucionário terão de lidar com outros problemas.

Partindo do gesto pioneiro do Teatro Experimental do Porto, inaugurado por António Pedro ainda na década de 50, o filme traça uma genealogia desse “outro teatro”, de que também faz parte o Teatro Moderno de Lisboa, criado nos anos 60 e encerrado em 1975, e o Teatro Estúdio de Lisboa, estrutura dirigida por Luzia Maria Martins (que é aqui entrevistada) e Helena Félix, desenhando de seguida a história dos mais jovens agrupamentos que então emergiam como Os Bonecreiros, o Grupo 4, a Comuna, os Cómicos, a Cornucópia ou o Teatro Experimental de Cascais, entre outros. No debate que se seguiu à estreia do filme no espaço do grupo Os Bonecreiros em Outubro de 1977, António Macedo ter-se-á referido a O Outro Teatro ou as Coisas Pertencem a Quem as Torna Melhores como “um objecto utilitário ao serviço da luta dos grupos de teatro independentes”. Uma descrição que corresponde em pleno à militância expressa pelo filme, que se centra na luta desses grupos recém-criados, num período particularmente difícil para o teatro independente português, apresentado como “a mais grave crise que os grupos de teatro atravessavam desde o 25 de Abril”, verificada entre Outubro de 1976 e Março de 1977.

A expressão “as coisas pertencem a quem as torna melhores” inscrita no título é assim bem sintomática da posição assumida pelos autores do documentário, que acompanham o movimento de algumas destas companhias que lutam pela manutenção das condições mínimas de trabalho, que nos últimos anos lhes eram proporcionadas pelos subsídios de apoio à produção teatral, e que nesse momento se viam ameaçadas por um novo despacho da Secretaria de Estado da Cultura. O filme retrata assim um conjunto de acções de protesto que culminam numa semana de luta em defesa do teatro independente e numa concentração no espaço da FIL, que conta com o apoio de cerda de dez mil pessoas. A uma distância de quase 50 anos é impressionante observar as imagens de toda essa imensa multidão reunida no espaço da FIL em defesa da sobrevivência do teatro num país com uma rede ainda muito frágil, bem como o esforço de cada uma daquelas companhias para a diversificação das suas actividades, que passava pelo ensino do teatro e de outras formas de expressão plástica e que dava uma ênfase particular à descentralização, com o intuito de levar o teatro às populações do interior e aos mais carenciados. Face à actual situação atravessada pelo teatro e pelas artes em geral, é extremamente interessante rever os argumentos de então e observar as diferentes formas de luta, que alcançarão os seus resultados, pois, como vemos no filme, na sequência da semana de acesa contestação, a SEC reconsiderou o polémico despacho e atendeu a várias das reivindicações.

Através de filmagens de produções teatrais em cena e dos respectivos ensaios, da entrevista aos seus protagonistas, do recurso a materiais de arquivo, e do registo das manifestações de protesto, O Outro Teatro ou as Coisas Pertencem a Quem as Torna Melhores traça assim um importante retrato desses anos decisivos para o teatro português. A um teatro de intervenção e a uma música de intervenção correspondia assim um cinema de intervenção ao serviço das “lutas de operários e camponeses” (como acontecia com vários filmes de Macedo e de outros realizadores e colectivos do mesmo período), mas também ao serviço das lutas de tantos artistas das mais variadas áreas.

Joana Ascensão


Realização e Montagem António de Macedo, Manuela Moura 

Fotografia Elso Roque 

Assistência de Imagem Pedro Efe 

Iluminação Amadeu Lomar 

Direcção de Som João Diogo

Assistência de Som António de Sousa Dias 

Laboratório de Imagem Ulyssea Filme 

Laboratório de Som Cinequipa, Nacional Filmes 

Participação Fernando Gusmão, Carlos Porto, Rui Mendes, etc. 

Produção Cinequanon 

Direcção de Produção Leonel Brito 

Assistência de Produção César O. Monteiro 

Secretariado de Produção Cremilde Mourão 

Distribuição Instituto Português de Cinema/IPC 

Título Original Teatro Independente 

Duração 69 minutos