Citemor 2004


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ciclo de cinema ao ar livre

DIAS DO PARAÍSO

Terence Mallick


Seg 2 Ago | 22:30 | Castelo

Terrence Malick teve a sua fulgurante estreia como realizador com “Badlands” em 1973. Após “Dias do Paraíso” em 1978, o filme seguinte foi “A Barreira Invisível”, decorridos vintes anos. Fica assim patente a singularidade do realizador! 

 

O genérico inicial situa claramente o tempo da acção em pleno desenvolvimento industrial nos Estados Unidos da América; mais tarde, o cabeçalho de um jornal precisará o ano de 1916. A Grande Depressão ainda estava para vir, mas a concomitante pobreza que grassava já no país é patente desde logo. Os dias não eram paradisíacos para todos, mas é em busca destes que parte Bill (Richard Gere), arrastando Abby (Brooke Adams), a namorada que faz passar por irmã. A verdadeira irmã, Linda (Linda Manz), acompanha-os e é a voz desta que nos irá conduzir na revisitação deste episódio da sua infância.

 

Abandonada Chicago, entramos na vasta paisagem do sul norte-americano, que ganha uma dimensão protagonista. A justamente oscarizada fotografia do cubano Nestor Almendros (ao notável Haskell Wexler é creditada a fotografia adicional, mas este terá afirmado a autoria de mais de cinquenta por cento das imagens) demora-se tanto nas personagens quanto na natureza que se estende na propriedade do Agricultor, de quem nunca saberemos o nome, interpretado por Sam Shepard (o autor de “True West”, que veremos esta semana no Citemor). A vertente telúrica toma proporções quase bíblicas – até porque a trama evoca a história de Rute -, que as celebrações religiosas acentuam. Linda diz-nos “Às vezes sinto-me muito velha, como se a minha vida tivesse acabado, como se já cá não estivesse.” Esta lonjura a partir da qual nos fala tem equivalência no olhar da câmara, não porque ela não se aproxime daquilo que mostra, mas porque integra tudo num todo maior do que cada uma das personagens. O que justifica também os parcos diálogos que nos são dados a ouvir, que muitas vezes deixa, ou de que se aproxima, a meio do seu curso. Já ouve quem falasse de uma câmara que aqui seria o olhar divino. O mais adequado seria talvez falar de uma câmara que, acompanhando o ponto de vista de Linda, se interessa menos pelas emoções e sentimentos dos elementos do trio amoroso, e mais pelo modo como Linda abarca as histórias dos adultos na sua percepção do mundo, pelo modo como o reorganiza em função dos eventos. 

 


Em “Dias do Paraíso”, perda maior do que a de vidas humanas é a da inocência. Sabem-no as duas personagens femininas, permitindo a extrapolação de as duas se equivalerem, sendo Linda a voz da inocência que Abby perde – ou será Abby a projecção da mulher que Linda será no término deste episódio? Com efeito, não assistimos a qualquer interacção de Linda com as outras personagens excepto uma amiga sem nome – uma amiga imaginária? e estará Linda a falar de si própria quando refere o que sente por aquela no final do filme? Não esqueçamos que Linda é a irmã que Abby não é.

 

É assim o cinema de Terrence Malick, permitindo todas as especulações sobre o seu universo elegíaco – para o que contribui a belíssima banda sonora de Ennio Morricone e as cordas de Leo Kottke.

 

Domingo que vem continuaremos a céu aberto, a paisagem é do Irão de Abbas Kiarostami e o pacto é de morte.



Entrada Livre