Citemor 2004


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O SABOR DA CEREJA

Abbas Kiarostami


Dom 8 Ago | 22:30 | Castelo

O programa de cinema do Citemor expande hoje as suas fronteiras. Se no passado nos limitámos à produção norte-americana, já este ano incluímos duas produções europeias. Agora é a cinematografia iraniana que marca presença, através do seu mais destacado realizador: Abbas Kiarostami



“O Sabor da Cereja” foi o co-vencedor da palma de Ouro do Festival de Cannes. O seu autor logrou estar presente na cerimónia, sendo efusivamente saudado por Catherine Deneuve na entrega do prémio. Tardou uma semana em regressar ao Irão, sendo bafejado nessa circustância pelo clima de alterações políticas, com a eleição do Presidente Kahatami. Não seria tanto as consequências desse beijo escandaloso dado pela musa francesa o que Kiarostami temia, mas mais as implicações do tema do seu filme numa pátria com fortes crenças religiosas. 

 

Situemo-nos: o senhor Badi (Homayon Ershadi) vagueia na sua viatura, observando e abordando transeuntes. A sua atitude, o seu rosto, deixam-nos margem para todas as dúvidas. É certo que procura alguém. Mas com que objectivo? Planeia um rapto? Trata-se de um engate? O quê? 

 

Seremos inteirados do fito desta deambulação e dos seus motivos em conversas que Badi terá sucessivamente com três personagens, procurando alcançar um pacto. São eles um soldado – treinado para matar -, um seminarista – especialista nos assuntos do espírito e da alma – e um taxidermista – que trata de corpos sem vida. Nenhum conseguirá demovê-lo do seu propósito. Só um aceitará o pacto.

 

Realizador de uma metodologia própria, é Kiarostami quem muitas vezes contracena com os actores (maioritariamente não-profissionais, pelo menos à altura da rodagem), por detrás da câmara. E se virem um deles desatar a fugir no final de uma cena, é quase certo que estamos perante um facto vindo directamente da experiência real.

 

Filme tão mais simples e depurado quanto complexa é a matéria de que se ocupa, sobre ele não adiantaremos muito mais considerações. É a cada um de nós que compete situar-se, humana e politicamente, ética e esteticamente. O discutido final de “O Sabor da Cereja” implica isso mesmo: um repto a que cada um se confronte, com as palavras de Badi e dos seus interlocutores, assim como consigo, com o seu íntimo. 

 

Será que, tal como hoje aqui em Montemor-o-Velho o céu se abriu, os olhos de Badi se vão abrir para contemplar o resto de uma vida? A cada um, o seu final, a sua crença.

 

Amanhã será um outro dia, espera-nos o labirinto onírico da última obra de David Lynch: “Mulholland Drive”, ou Hollywood vista de modo implacável pelo mais sinuoso dos realizadores.



Entrada Livre